quinta-feira, 18 de abril de 2013

A senhora e a aposentadoria do Companheiro


A senhora entrou na Delegacia em torno das 08:30 para registrar o primeiro boletim de ocorrência do dia. Ela aparentava estar bastante nervosa. Vinha acompanhada de seu companheiro. Ambos idosos, vestidos humildemente. Ele com os cabelos todos brancos, sentou no banco de espera. Ela, cerca de um metro e cinquenta de altura, trajava roupas da moda de antigamente, batom passado na boca, cabelo ajeitados, veio até o balcão.
-Seu policial, quero registrar uma ocorrência, tentaram invadir minha casa.O policial estava sentado no outro lado do balcão, em frente ao computador, pronto para mais um dia de trabalho. Pensando: Hoje é segunda-feira, vai dar um monte de ocorrência, já começou cedo. O dia vai ser longo. Olhou para a senhora e perguntou para ela:
- Como invadiram  sua casa, senhora?
-Eu e meu velho estávamos deitados, quando ouvimos alguém forçando a porta...era o Joel, amigo do Beto, meu vizinho. Eles são maconheiros.
- A senhora me dá sua carteira de identidade.
Ela abre uma pequena bolsa, destas de tecido floreado e e retira sua carteira de identidade. Estende a mão e dá para o policial.
Ele pega a identidade e abre o sistema de registro de ocorrência no computador. Começa a digitar o número do BO, os dados da senhora, a vítima, que não para de dizer que tentaram invadir sua casa... Ele pergunta os dados como endereço, telefone, etc. Chega ao histórico, olha para a senhora e diz para ela contar o que realmente aconteceu de uma maneira mais objetiva para que possa digitar.
- O joel amigo do Beto, meu vizinho, foi até a porta da minha casa e tentou arrombar a porta. Ele queria roubar o dinheiro da aposentadoria de meu companheiro. Ele é amigo do Beto. Eles usam drogas, tão sempre maconhados. Quando ele, apontando para o velho sentado no banco, que não disse nada, recebe a aposentadoria, eles ficam “arrodeando” a minha casa para nos roubar. O banheiro é na rua e quando eu vou no banheiro eles ficam cuidando. Eles querem me pegar e roubar a aposentadoria dele. Mora só nós dois. Estamos doisanos juntos. Sabe, eu estou para me aposentar, aí eles vão querer roubar as duas
aposentadorias.
O policial vai escrevendo o histórico de uma maneira sucinta e coerente
do que ela vai contando. Para de de digitar e olha para ela, perguntando:
- Como a senhora sabe que é este tal de Joel, quem forçou a porta?
- Eu espiei e vi que era ele, que me apontou uma arma...uma faca ..ou era um revólver.
-Era uma revólver ou faca?
- Era um revólver.
- A senhora tem certeza que era um revólver?
- Sim- respondeu- ele apontava para mim, assim- segurou as duas mãos com os braços esticados, e apontava o dedo indicador para frente, como se fosse
o cano de uma arma- Eu vi, era assim mesmo que ele me apontava. Ele queria nos roubar. Queriam a aposentadoria dele- mais uma vez apontando para o companheiro, que continuava sentado no banco, mergulhado em seus pensamentos, longe dali.
- Eles são viciados querem nos roubar...-continuava ela a falar. O policial
mandou a impressora matricial, barulhenta, imprimir o boletim de ocorrência.
Após a impressão deu quatro vias para ela assinar.
Assinou as quatro e devolveu para o policial. Ele carimbou uma e deu
para ela. Ela segurou e continuou a olhar para ele.
- Nós vamos verificar senhora, pode deixar- disse o policial- A senhora
pode ir.
Ela agradeceu, caminhou até a porta, olhou pra o velho e disse:
- Vamos Tomate- que se levantou e saiu com ela, calado.
O policial, guardou as cópias na gaveta. Acendeu um cigarro e pensou coitados,os viciados querem o único dinheiro que eles recebem para se alimentarem e comprarem remédios. Aquele dinheiro é tudo o que eles tem, se forem roubados, passaram até fome.

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